Com o sol a despontar no horizonte pela manhã, Francisca, ainda pequena observa atentamente a chegada da comadre de sua mãe, dona Constantina, em sua casa. Em meio a uma prosa e um café, Francisca por entre a porta ouve a comadre receber a bênção de sua mãe para leva-la ao 'centro' de modo a fazer-lhe companhia. Ao ser aprontada por sua mãe naquele início de tarde, a questionou: 'mãe, por que a senhora me deu para a comadre?' Para a retórica pergunta, a resposta foi o silêncio. Andaram por duas léguas, até chegar a uma casa simples que recebia pessoas num fluxo constante, entre chegadas e saídas. Ali, dentro do quarto, permaneceu sentada na beira da cama durante toda a tarde, quando já perto de ir embora a 'bacura' foi chamada pelo caboclo para a 'gira' e viu imediatamente aquele altar envolto de luz e cores. 'Eu não falava nada, mas sabia tim-tim por tim-tim o que estava acontecendo'. 'Riscou' sem saber riscar, 'girou' sem saber girar e foi ali, ainda criança, que Francisca entendeu seu dom.
Foi assim, na varanda de sua casa que Francisca aos 104 anos me contou solenemente a descoberta de seu dom. Residente em Chapada dos Guimarães, tornou-se um ícone religioso pela sua fé e tradição de receber e atender com sua bênção a quem desejar. Durante uma das muitas visitas quotidianas, Francisca conheceu Santian, fotógrafo com quem desenvolveu um laço de afeto que transcendeu a fotografia e que há mais de quatro anos estão conectados pela sua história de vida e sabedoria, que ele documenta em cada visita.
Henrique Santian projetou seu olhar para documentar Francisca durante sua caminha fidedigna a religião e a tradição de quem une fé e acolhimento desde a infância. Entre uma visita e outra, cliques e takes, Santian construiu um rico acervo da fé de Francisca, seus hábitos e sua rotina e que estão agora presentificados na sua exposição ' A Fé de Francisca'. A exposição é uma mistura de fotografia e audiovisual onde a espiritualidade parece guiar sua narrativa do começo ao fim, trata-se, sobretudo, de questões que atravessam a cultura popular. Para ele, a exposição vai além da fotografia, tocou no seu íntimo e proporcionou a retomada de sua fé e de conexão com a espiritualidade.
A exposição acontece no Sesc Arsenal e terá na sua abertura, no dia 09 de junho, artistas convidados para apresentar trabalhos inspirados na fé de Francisca.
Paulo Monarco, Caio Matoso e João Ninguém, Estela Ceregatti, Jhon Stuart, Cris Chaves, Lu Bonfim e Santiago são alguns dos intervencionistas convidados. As apresentações serão abertas ao público e terá início às 16 hs com a abertura da galeria às 19 hs.
Dona Francisca, que acorda todas as manhãs acompanhada de sua fé, hoje cessou a benzeção por conta baixa visão. Já não recebe mais com a frequência habitual os ansiosos pelas suas orações e garrafadas. Ainda assim, sua consciência espiritual é admirável, parece entender a fluidez do corpo, suas fraquezas e sua cura. O que Francisca busca quotidianamente é muito maior do que imaginou, é o seu destino. Ela, com toda a lucidez de seus 104 anos, de forma alguma faltaria na abertura de uma exposição que muito fala sobre sua jornada visceral de fé.
Abertura da Exposição 'A fé de Francisca' no dia 09 de Junho de 2018 no Sesc Arsenal com entrada grátis.